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sábado, 17 de janeiro de 2009

Ditadura e Mídia contra a Constituição: o caso do STF em 1969

OAB: Supremo deve refletir sobre exemplo de Evandro, Victor e Hermes

Brasília, 16/01/2009 - O presidente da Comissão Nacional de Defesa da República e da Democracia do Conselho Federal da OAB, professor Fábio Konder Comparato, destacou hoje o episódio histórico dos 40 anos da aposentadoria compulsória dos ministros do Surpemo Tribunal Federal Evandro Lins e Silva, Victor Nunes Leal e Hermes Lima, decretado pela ditadura militar em 16 de janeiro de 1969, um mês após a edição do AI-5. Em depoimento ao site, ele lembrou a forma "insultuosa" como o chefe do governo militar, general Costa e Silva, anunciou a cassação dos três ministros. Durante pronunciamento pela televisão, Costa e Silva disse que "aproveitava a ocasião" para também anunciar o ato da aposentadoria compulsória dos três ministros do STF - magistrados considerados exemplos de democratas e humanistas, que se contrapunham ao estado de exceção imposto pelo regime militar.

"Evandro Lins e Silva, Victor Nunes Leal e Hermes Lima tinham ao máximo a concepção de que o magistrado, num regime democrático, tem de certa maneira um mandato tácito do povo - ele não foi eleito pelo povo, sua nomeação não foi aprovada pelo povo, mas está sempre em sintonia com o interesse popular", afirmou Fábio Comparato, que é também medalha Rui Barbosa do Conselho Federal da OAB. Ele disse esperar que "o STF de hoje possa refletir profundamente sobre esse episódio ocorrido há quarenta anos atrás e sobre a função eminente dos magistrados num Estado de Direito democrático".

A seguir, o depoimento do presidente da Comissão Nacional de Defesa da República e da Democracia da OAB, jurista Fábio Konder Comparato:
"Há quarenta anos atrás, o chefe do regime militar, general Costa e Silva, num pronunciamento à Nação avisou que, ‘aproveitando a ocasião', havia decidido aposentar compulsoriamente os ministros Hermes Lima, Victor Nunes Leal e Evandro Lins e Silva do Supremo Tribunal Federal. Já o próprio estilo do anuncio mostra o desprezo, a falta de compostura do militar ao se referir a essas três grandes figuras do Direito brasileiro. Hermes Lima, que tinha muito senso de humor, dizia que aceitava todas as decisões, menos a motivação dada pelo general Costa e Silva, ou seja, ‘aproveitar a ocasião'. Isso era realmente um insulto.

O que é preciso considerar é que esses três ministros honraram a Corte Suprema e mostraram o que deveria ser o modelo de magistrado atualmente. Num Estado de Direito democrático o Supremo Tribunal Federal exerce um papel da maior importância, mas ao mesmo tempo um papel aparentemente paradoxal. Porque, se a democracia é autêntica - o que não é o caso do Brasil -, o povo é soberano e não é simplesmente dirigido por uma oligarquia empresarial, militar e política; e dessa forma, fica estranho considerar que a principal Corte constitucional é constituída por magistrados que não são eleitos pelo povo. Mas o fundamental, a rigor, não é esta legitimidade de origem, mas a legitimidade de funcionamento do Supremo Tribunal Federal - ou seja, o fato de que os seus ministros devem, a todo momento, perquirir onde está o interesse nacional e qual é o bem comum do povo a ser preservado. Isso demanda uma educação jurídica e ética que, infelizmente, nós não encontramos nas faculdades de Direito e nas próprias carreiras jurídicas públicas.

Ora, Evandro Lins e Silva, Victor Nunes Leal e Hermes Lima tinham ao máximo essa concepção de que o magistrado, num regime democrático, ele tem de certa maneira um mandato tácito do povo. Ele não foi eleito pelo povo, sua nomeação não foi aprovada pelo povo, mas ele está sempre em sintonia com o interesse popular. Sobretudo, tratando-se de Corte Suprema, o magistrado deve ser, ouso dizer, parcial no sentido na proteção dos mais fracos, dos mais pobres, dos humilhados; deve ser parcial no controle estrito dos atos daqueles que detém poder seja de direito seja de fato. Essa propalada imparcialidade do magistrado é, na verdade, muito hipócrita porque, geralmente, quando se quer fazer injustiça - ou seja, tendo consciência da injustiça, dando maior satisfação aos interesses das classes dominantes - o que se faz é alegar razões técnicas. É a técnica a serviço da injustiça.

A Constituição brasileira de 1988 tem um formato muito diferente das que as precederam. Ela é dominada por princípios. E os princípios encarnam valores éticos, os grandes valores políticos, como a igualdade, a liberdade, a segurança, a solidariedade. O povo brasileiro - ouso dizer, na sua maioria - não é protegido pelo sistema jurídico em função desses valores. Recentemente, por exemplo, uma das comissões das Nações Unidas publicou um estudo mostrando que a população em geral do mundo não é protegida pelas normas jurídicas; essas normas têm valor meramente declaratório ou simbólico. O estudo chegou à conclusão de que nada menos que dois terços da humanidade, ou 4 bilhões de pessoas, não têm a proteção jurídica, notadamente no campo dos direitos sociais.

E esta é uma realidade que nós conhecemos muito bem. Não adianta nós proclamarmos a supremacia da Constituição e tomarmos a Constituição como se fosse a palavra de Deus. O importante é saber até que ponto os valores fundamentais da democracia, do respeito e da dignidade humana são protegidos e respeitados pelo sistema judiciário. O que se sabe é que o sistema judiciário no Brasil, infelizmente, não goza da confiança popular.

Naquela época, 1968/69, o Supremo Tribunal Federal e notadamente esses três ministros que foram afastados pelo poder militar representavam o último recurso da dignidade do povo diante da prepotência castrense, a prepotência do setor militar. E, portanto, gozavam da confiança do povo. Era aquilo que os romanos denominavam auctoritas - ou seja, o titular da função pública não tem poder para se impor, ele tem apenas o prestígio, a veneração e a confiança do povo.

Oxalá, o nosso Supremo Tribunal Federal de hoje possa refletir profundamente sobre esse episódio ocorrido há quarenta anos atrás e sobre a função eminente dos magistrados num Estado de Direito democrático".

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